Sob forte tensão, peça com atriz trans é apresentada em Garanhuns

Com a retirada do apoio oficial do FIG, segunda sessão foi realizada sem iluminação / Foto: Bruno Albertim/JC


Depois de convidado, cancelado e reintegrado de última hora à programação oficial do 28º Festival de Inverno de Garanhuns, o espetáculo “Jesus, Rainha do Céu”, finalmente foi apresentado na cidade. Mas sob tensão, ameaças e impedimentos. Logo depois de uma primeira apresentação para um público de cerca de 300 pessoas, os organizadores do espetáculo receberam a cópia de um novo mandado de segurança assinado pelo desembargador Roberto da Silva Maia, determinando a suspensão do espetáculo da grade oficial. A segunda sessão transcorreu sob forte tensão.
Atendendo ao pedido da Ordem dos Pastores Evangélicos de Garanhuns, o desembargador concluiu, no mandado de segurança, que a “peça viola o direito líquido e certo ao sentimento religioso, ao retratar Jesus Cristo indevidamente”. No começo da noite da sexta, Márcia Souto, presidente da Fundarpe, recebeu a notificação. “Lamentamos a mudança da Justiça em tão pouco tempo, mas não temos como não acatá-la ou incorreríamos em crime de desobediência”, justificou. Com a decisão, foi revogada a decisão anterior do desembargador Silvio Neves Batista, determinando a imediata reintegração do espetáculo à grade oficial do festival.



Apesar da retirada do apoio oficial do FIG, o espetáculo teve uma segunda sessão realizada de forma independente pelos produtores e organizadores. “Jesus disse: vai ter peça sim. A liminar cancela da programação oficial, mas vamos fazer outra sessão de maneira independente. Venham com amor”, disse, minutos antes da sessão, o artista e ativista Chico Ludemir, um dos responsáveis pela campanha de arrecadação de dinheiro para viabilizar a peça na cidade desde a primeira proibição. A tranquilidade, contudo, durou pouco.
Enquanto a segunda sessão acontecia, iniciada às 21 horas, cerca de quarenta policiais em sete viaturas de polícia foram ao local do espetáculo acompanhados de um oficial informar da nova proibição. Houve exaltação de ânimos e discursos inflamados entre os presentes. A atriz Renata Carvalho interrompeu o espetáculo que acontecia debaixo de uma grande tenda montada pela Fundarpe numa casa da cidade e deu continuidade ao monólogo numa área aberta, sob chuva. “Assim, há o entendimento de que o espetáculo não aconteceu sob o apoio oferecido pela Fundarpe”, disse Severino Pessoa, chefe de gabinete da Secretaria de Cultura de Pernambuco.
Mas enquanto os assentos eram retirados, a atriz Renata de Carvalho foi até o local onde elas estavam e alguns presentes, exaltados, chegaram a derrubar as cadeiras. Parte da plateia começou a gritar palavras de ordem e xingamentos como “Fundarpe fascista!”. Severino Pessoa precisou sair escoltado. Após a nova interrupção, a peça foi retomada de novo na área ao ar livre.
“Desde que a peça estreou, há dois anos , em Londrina, sofremos perseguições. Esse ódio se deve à construção social, à folclorização e à criminalização dos corpos trans. Por isso, lutamos por representatividade trans. Queremos estancar a sangria. No Brasil, a vida média de uma trans é de 27 anos. Se passarem a nos incluir nos filmes, nas peças e nas novelas, a convivência mudará a situação. Tenho certeza de que, em trinta anos, o Brasil deixará de ser o país que mais mata trans no mundo”, disse a atriz, após a sessão iniciada às 18h30, para uma plateia de cerca de 300 pessoas, emocionada e escoltada por dois seguranças.

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